sexta-feira, 8 de abril de 2016

SÃO JOSÉ DA LAGOA NO CONTEXTO DO PROCESSO HISTÓRICO

SÃO JOSÉ DA LAGOA NO CONTEXTO DO PROCESSO HISTÓRICO
                                                                                                              Elvécio Eustáquio da Silva

“É antiquíssima a habitação deste distrito, que tem sua história ligada a todas as explorações de ouro do Vale do Piracicaba, mas não resta memória de onde lhe tenham vindo os primeiros habitantes, se águas acima ou abaixo. Foi povoado em consequência da mineração, e os montões de cascalhos que ali em todas as terras baixas se encontram, mesmo nas ruas do povoado, provam grandes e poderosos serviços mantidos por muitos anos. É de crer que esses serviços fossem ainda anteriores aos da Serra de Itabira, a aceitarmos a entrada dos bandeirantes pelo Piracicaba, onde termina o Rio do Peixe, que corre a 3 km da cidade – O documento mais antigo que conheço a seu respeito é o título de patrimônio legado ao Orago da Capela, que é hoje Matriz. É dos princípios do século XVIII, mas já refere-se à população como existente e já havia muitas roças, das quais uma foi comprada e doada ao Santo. Por esse documento vê se que nos princípios de 1700 já havia povoado e muita cultura e, por conseguinte que os moradores, esgotada a mineração ‘casqueira’ de talho aberto, ao menos a conhecida, e talvez desanimados com as péas legais dessa indústria, se entregassem à cultura, sendo as terras ubérrimas, abandonando a idolatria do bezerro de ouro.”
                                    (R.A.P.M; Ano III; 1898; pag.347)

A historiografia do fim do século XIX e das primeiras décadas do século XX revela um pouco dos primórdios da história do município de Nova Era. Historiadores, entre outros Padre Júlio Engrácia (monografia – Revista do Arquivo Público Mineiro – 1898), Alfredo Moreira Pinto (Apontamentos para o Dicionários Geográfico do Brasil – 1899), Padre Pedro M. Vidigal (Monografia datilografada “Da Fundação até a Proclamação da República” – 1939; “Amador Bueno – O Aclamado na Família Lagoana – 1945 – Imprensa Nacional) e Pedro E. Vallim (Álbum dos Municípios do Estado de Minas Gerais – 1º Volume – 1941) são unânimes em referir que é antiguíssimo o povoamento desta terra, com serviços de mineração anteriores aos da Serra de Itabira, e que nos princípios de 1700 já havia povoado com Capela e com muita cultura. O historiador Pedro E. Vallim chega a ser afirmativo ao dizer que estas terras foram, inicialmente, povoadas em uma época que remonta possivelmente a 1700.
A unanimidade dos historiadores citados atesta que o nosso município tem uma trajetória tricentenária, lastreada por uma aventura aurífera que perdurou através de faiscadores até os primórdios do século XX, referindo-se também aos “montões de cascalhos”. O Padre Júlio Engrácia refere-se a “montões de cascalho lavados que surgiram em consequência dos poderosos serviços de mineração”, tornando-se uma intervenção no núcleo do Arraial de São José da Lagoa que se desenvolveu em volta das lavras e gerando uma paisagem peculiar sobre a qual antigos moradores também deixaram as suas impressões, que chegaram aos dias de hoje através da tradição oral. De acordo com essas impressões, a marca dos serviços de mineração aqui ocorridos se encontravam de forma mais espetacular nos locais onde hoje se situam as ruas dos Bandeirantes, João Pinheiro e Governador Valadares, e também no Bairro da Estação, que se prolongava até a localidade de Figueira; e ainda que, para a lavagem do cascalho em alguns pontos onde hoje se localiza a sede do município, a água era capitada a aproximadamente 15 Km de distância.

Nas áreas periféricas, assim como nas demais, distantes da sede do município, este cenário de grandes extensões de terras baixas cobertas por uma infinidade de montes de cascalho que vistos de longe se assemelhavam a dunas se manteve intocável até a década de 60 do século XX, quando desapareceu em consequência da expansão urbana e, principalmente, devido à utilização do cascalho como matéria prima na pavimentação de estradas e também ao seu emprego nas indústrias siderúrgicas da região. Hoje estes vestígios são raros, mas as antigas denominações dos principais núcleos de mineração ainda permanecem: Figueira, Macacos, Pedra Furada, Piçarrão e Rio de Peixe.
Quanto à citação do Padre Júlio Engrácia sobre um documento que ele conhecia, do princípio do século XVIII, o mais antigo acerca do Arraial de São José da Lagoa que diz respeito ao “patrimônio legado ao Orago da Capela, que é hoje Matriz”, cabe ressaltar que até hoje só foram encontradas vagas referências a esse documento e que nenhuma informação sobre aquela primitiva Capela foi localizada. Tal Capela não se tornou Matriz conforme mencionado e a que foi preservada não é dos princípios do século XVIII já que sua edificação se deu por volta de 1753 pelos moradores do lugar, tendo sido o seu patrimônio constituído de terras doadas por “Domingo Francisco Cruz, morador na Passagem (hoje Bairro Santa Maria), da Freguesia de São Miguel do Piracicaba, Comarca de Sabará (...)” através de escritura pública lavrada em cartório no Arraial de Nossa Senhora da Conceição de Catas-Altas em 1754 e na qual é citada a doação de uma roça por ele adquirida do Alferes José de Miranda Ribeiro pela quantia de 250 oitavas de ouro para a construção da nova capela (Arquivo da Diocese de Itabira – Petição e Escritura de Doação que fez Domingos Francisco Cruz).
Sobre a antiguidade do Arraial de São José da Lagoa, Pedro Maciel Vidigal, em sua monografia (Da Fundação até a Proclamação da República; 1939), deixa sua contribuição – “Assim podemos afirmar que, quando D. João V subiu ao trono de Portugal em 1706, Lagoa já estava descoberta. Quando em 1720 foi fundada a Capitania de Minas, desmembrada do território paulista, já era núcleo de população bem regular”.
No livro “Pluto Brasiliensis”, capítulo 5º, parte 3ª, da grande obra do Barão de Eschwege – “Notas Geognósticas e Montanísticas sobre as Lavras de Ouro de Minas Gerais” – publicado na R.A.P.M/Ano II, pág. 632, volume IV – 1897, consta uma tabela de todas as lavras de ouro em atividade no ano de 1814 em cada distrito da Província de Minas Gerais. Nesta tabela, o Arraial de São José da Lagoa é contemplado com o registro de 4 lavras: a do Padre José Domingues, de Manoel Ribeiro da Fonseca, de Joaquim Ribeiro da Costa e a de Luciano José da Silva. Ainda nesta tabela é feita referência ao trabalho de grande vulto dos faiscadores livres.
Uma documentação existente no Arquivo Nacional (Rio de Janeiro) informa que a mineração aurífera em São José da Lagoa se manteve com bons resultados até os primeiros decênios do século XIX. E para o controle desta produção foi instalada nesse arraial uma Casa de Permuta – órgão criado a partir de 1803 para permutar ouro por moeda corrente; esse estabelecimento aqui se manteve em funcionamento até o ano de 1818 (Inventário da Coleção Casa dos Contos; livros 1700-1891/Coordenação de Caio C. Boschi, Carmem Moreno, Luciano Figueredo – Belo Horizonte: PUC Minas, FAPEMIG, 2006.
Em um texto anônimo sobre a cidade de Nova Era encontra-se o significativo registro de que, no ano de 1942, “no leito do Rio Piracicaba os faiscadores haurem mensalmente nada menos de 4 quilos do precioso metal”.
Em 1848 o Arraial de São José da Lagoa foi elevado a Paróquia e a distrito de Itabira. Emancipou-se politicamente em 1938 com a denominação de Presidente Vargas, instalado a 1º de janeiro de 1939. E a partir de 1942 passou a denominar-se Nova Era, porém tal mudança toponímica só foi confirmada em dezembro de 1943.
O município de Nova Era a partir da década de 1970 torna-se o território das tão cobiçadas esmeraldas, revivendo sagas ancestrais, gerando riquezas, tragédias e excluídos. Gemas que através dos séculos provocaram delírio e cobiça, que levaram Bandeiras e aventureiros a desbravarem os sertões das Geraes.
O poluído Rio Piracicaba que sinuosamente atravessa a cidade de Nova Era, traz as marcas da tricentenária ocupação inescrupulosa em todo o seu vale. Em seu leito até hoje garimpeiros solitários insistem em apurar pepitas douradas no fundo de suas bateias. Mas o testemunho de um tempo áureo permanece no brilho do ouro nos retábulos da Igreja Matriz de São José da Lagoa, sendo o seu retábulo-mor de autoria do conceituado entalhador e escultor Francisco Vieira Servas e o colateral, ao lado da epístola, que recebe uma curiosa subdivisão do camarim em dois níveis, talvez seja o único exemplar existente com esta característica.
Por esta síntese apresentada sustento que o município de Nova Era teve um primórdio comum aos demais do Ciclo do Ouro, ocupando lugar na história do Vale do Piracicaba.
Os pioneiros aqui instalados extraíram ouro em abundância e a tradição oral se encarregou de preservar as suas sagas, mitos, devoções e personagens. Deixaram lastros culturais que as novas gerações foram redimensionando nesta terra, edificando o arraial, depois distrito e por fim, cidade.


                           Um desses pioneiros, Domingos Francisco Cruz entrou para a história da cidade de Nova Era pelo ato exemplar, atitude de fé, edificando uma marca desta região que, desafiando o tempo, permanece: a igreja matriz de São José da Lagoa.