quinta-feira, 28 de maio de 2015

Francisco Vieira Servas! Quem foi este homem?



Francisco Vieira Servas, artista português, entalhador e escultor, nascido em 1720 na região do Minho, que, como muitos outros jovens de seu tempo, se sentiu seduzido pelas narrativas que do além mar em sua terra chegavam, onde eram contadas e recontadas, sobre o eldorado em terras do sertão adentro no Brasil colônia. Chegar a essas terras passou a ser a sua meta, de alguns de seus familiares e de muitos outros patrícios , principalmente das regiões mais pobres, como o norte de Portugal, onde ele nasceu e lá vivia juntamente com a sua família.
O sonhado território onde Servas e seus familiares pudessem ser acolhidos, receber concessões de títulos de terra, melhores condições de sobrevivência, mercado de trabalho promissor onde fosse possível se afirmar como oficial entalhador e ser reconhecido como tal, colocar em prática informações sobre novas formas decorativas que já se prenunciavam  em Portugal, em especial as lições que certamente recebera do mestre entalhador Francisco Vieira da Torre, seu padrinho de Batismo. E assim nessa expectativa partiram para a travessia do Atlântico, para viver uma grande e bem sucedida aventura nos sertões das Gerais, tumultuado e promissor território, dinâmico canteiro de obras,  efervescência social e cultural, circularidade de informação. Mas não se sabe ainda em qual porto e a data da chegada de Francisco Vieira Servas, juntamente com a sua comitiva ao Brasil Colônia.
É de relevante importância á Constatação documental da presença de Vieira Servas em 1753, em Catas Altas, o documento que relevou o artista e a sua presença no Brasil Colônia, especificamente na capitania de Minas Gerais, onde tornou-se um profissional conceituado.
A sua articularidade nos centros mais dinâmicos, como também nas periferias dessa Capitania é fato já devidamente comprovado, principalmente regiões hoje denominadas Circuito do Ouro, onde deixou as suas marcas, discípulos e um lastro de história, que paulatinamente vem sendo desvendado.
A dinâmica de mercado de trabalho e diversidade de informação reinante nos contextos incomuns da Capitânia, somados a sua carga de conhecimento advinda de sua terra, obviamente determinaram a sedimentação estética em sua obra surpreendentemente rococó, imprimindo nesse novo estilo a sua identidade. Uma obra mantida numa linha coesa em seu conjunto, mas sem perder o vigor, a constante e requintada mutação, sempre nos surpreendendo.
Artista que tornou-se respeitado em seu tempo, hoje a sua arte encanta, e juntamente com arte de seus pares enobrece o patrimônio cultural do nosso estado e do nosso país. Patrimônio de relevância para a desejada consolidação do desenvolvimento de atividade turística na microrregião do Vale do Rio Piracicaba.
Segundo o historiador português Eduardo Pires de Oliveira, Francisco Vieira Servas foi um dos melhores exemplos de arte destes dois mundos (Brasil/Portugal), que, apesar de separados por mais de 9.000 quilômetros de distancia, têm tantos ou mais pontos de união que de separação.
                                          

                                                                   Elvécio Eustaquio da Silva

2015

Carnaval em Nova Era


Elvécio Eustáquio da Silva
            Nas primeiras décadas do século XX, na cidade de Nova Era, as agremiações carnavalescas eram denominadas de rancho, dinamizavam a vida social de então, animados cordões pelas ruas do distrito, e cada um realizava o seu baile, com destaque para o Esperança e para o Operário,  motivados pela concorrência entre eles. Mas sobre estes ranchos pouco sabemos.
            A mais antiga informação escrita encontrada sobre o carnaval em Nova Era, está num livro, Canfora Uma História, escrito por Maria Canfora, comemorativo do Centenário da chegada da Família Canfora ao Brasil – 1897 a 1997. Neste livro, a passagem da família da autora por Nova Era se encontra registrada em detalhes, com destaque para os festejos carnavalescos que foram realizados nesta cidade no ano de 1921, quando ainda São José da Lagoa era distrito de Itabira. Nas páginas 38 a 40, emocionantes narrativas de uma grandiosa festa momesca idealizada e realizada pelo pai da autora, o italiano Alfredo Canfora, que soube interagir com a comunidade para a sua concretização. Entre os 11 filhos do Casal Alfredo Canfora e Isaura Donati, Maria Canfora, primogênita, portanto guardiã da memória da família.
            Para o conserto de uma ponte de madeira que se encontrava com partes arruinadas por falta de manutenção, Alfredo Canfora chegou a São José da Lagoa em 1918, vindo de Belo Horizonte, onde residia juntamente com seus familiares. Esta ponte, de nome Dona Amélia, tinha o comprimento de 118 metros. Em 1920 Alfredo transfere a sua família para São José da Lagoa e muitas amizades fizeram neste distrito. Em conversa com o empresário local Oscar de Araújo, Alfredo revelou ter atuado na montagem de carros alegóricos para o carnaval em Belo Horizonte. Descreve Maria Canfora: “na mesma hora os olhos do Sr. Oscar brilharam de satisfação e abrindo os braços falou com alegria: Alfredo, vamos mostrar a este povo o que é carnaval!” Alfredo que nunca sabia dizer não, topou na hora e, neste mesmo dia, começaram a fazer os planos para a grande festa que seria o Carnaval de 1921. A notícia correu não só aqui, mas em toda a região gerando grande expectativa. Muitas ações criativas e laboriosas foram desenvolvidas, algumas em absoluto segredo.
            “O teatrinho da cidade foi todo preparado com rigor para a realização dos bailes e matinês que foram animados pela Corporação Musical Flor de São José, comandada pelo maestro Alvim Vitorino”. É nesse teatro que aconteciam diversificadas atividades comunitárias, como também era lá que as Companhias Teatrais e de outras categorias artísticas que circulavam nesta região se apresentavam, entre outras, a Companhia Miramar.
            A grande atração deste carnaval foi o desfile dos carros alegóricos tendo à frente “uma cavalaria formada por jovens da cidade montados em cavalos ornamentados”, a seguir alas de jovens fantasiados.
            “O primeiro carro alegórico era formado por dois Cisnes Brancos puxando uma pequena carruagem... o seguinte era um enorme avestruz... em seguida, a grande sensação: um elefante, enorme,... Fechando o desfile vinha a maior sensação da noite: O Dragão! O corpo do animal era todo coberto por escamas... À meia noite, uma grande surpresa! Os fogos de artifício! Foi um espetáculo inesquecível!...”
            Através de um criativo e divertido boletim-convite tomamos conhecimento do carnaval aqui realizado em 1942, no já então emancipado distrito de São José da Lagoa, que passou a denominar-se Presidente Vargas. Anunciando bailes à fantasia e premiações diversas. Segundo o referido documento, essa festa aconteceu no cine local, mas que se tratava do mesmo teatrinho onde foram realizados os grandes bailes em 1921, que passou a funcionar também como cinema. Informou ainda que a renda seria em benefício da construção do hospital da cidade e não cita nomes da comissão organizadora.
            A revista Caminhos Gerais, edição especial Nova Era 3 séculos de história (nº 29 -março de 2012) , traz em sua página nº 55 uma foto do carnaval de 1950, “foliões comercialinos, Ercy, Matilde, Lídia, Maria do Realino e Marieta juntamente com o folião Epídio, exibindo as famosas lança-perfumes douradas”. Nas décadas de 40 a70 do século passado, foi que se consolidou em Nova Era o carnaval de rua e de salão. Época em que as Agremiações Sociais e Esportivas se encontravam no auge, a exemplo: o Automóvel Clube, o Comercial Futebol Clube, Minas Esporte Clube .
            As referidas instituições, em clima de rivalidade, promoviam concursos internos elegendo as suas rainhas e princesas, que com brilhantismo desfilavam pelas principais ruas da cidade em carros ricamente decorados, acompanhados por alas e em corso de alegres foliões fantasiados e cada agremiação com o seu conjunto musical. Os Blocos independentes e grupos irreverentes davam graça ao carnaval.
            As batalhas de serpentinas confetes e lança-perfumes, e os foliões fantasiados pelas ruas e bares também foram uma das marcas dos carnavais do período citado. As instituições em foco entraram em processo de decadência, os blocos em grande número foram diminuindo, e o prazer de fantasiar-se nos dias de carnaval foi se acabando e as marchinhas e o samba foram desaparecendo da cena carnavalesca.
            O carnaval em Nova Era, e certamente em muitas outras cidades mineiras, no decorrer de décadas, passou por várias fases, cada uma com as suas características. Na década de 70 a década de 90 do século passado, por influência dos meios de comunicação de massa, as Escolas de Samba, expressão cultural do Rio de Janeiro, proliferam-se por todo o interior do nosso Estado. A cidade de Nova Era passou a ter, anualmente, com direito a Rei Momo e Rainha, desfiles luxuosos de 4(quatro) escolas: Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Manjahy, ex Princesinha do Morro, Desce Ladeira, Acadêmicos do Sagrada Família e Unidos do Ladilá, que ano a ano se degradiavam numa disputa equivocada.
            O carnaval local ainda era enriquecido com bailes, matinês, blocos e grupos fantasiados, por último surgiu a Bandinha dos Farrapos fazendo grande sucesso, manifestações amplamente registrada pela mídia local e regional.
            Em 1994 as 4 escolas fizeram os seus últimos desfiles, deixando um lastro de conflito, e ainda, algumas levaram como troféu dívidas acumuladas, e assim saíram de cena. Como aqui, as Escolas de Samba foram desaparecendo nas pequenas cidades do nosso estado.
            Lideranças desmotivadas não tiveram projetos nem apoio para combater uma nova ameaça a nossa identidade, as expressões carnavalescas baianas, conectadas à indústria fonográfica e redes de tevê, com grande poder de influência e sedução, como os trios elétricos, bandas de Axé, em maioria meramente comercial sem nenhuma qualidade, mera banalização cultural, entre outras manifestações colonizadoras, provocando prejuízo identitário, anulando matrizes culturais e assim inibindo uma busca alternativa.     
          O Carnaval MPB na Rua Governador Valadares, que aqui é um diferencial permanece. Permanecendo também a Bandinha dos Farrapos e alguns remanescentes do Bloco Boca de Gole em trajes femininos. Os grupos fantasiados desapareceram e os bailes de salão já não tem sentido. Novos tempos!
            Não sabemos qual será a nova intervenção da mídia em nossa cultura para os próximos carnavais. Não podemos ficar na contramão da história, somos nós, nova-erenses, através de uma política cultural adequada, que temos de definir o rumo dos nossos próximos carnavais.
2013


            

domingo, 10 de maio de 2015

Fazenda da Vargem x Orçamento



                                                         Elvécio Eustáquio da Silva
  Não resta dúvida de que o Parque Municipal de Nova Era é um relevante patrimônio cultural e natural. Em seu contexto paisagístico se destaca a Fazenda da Vargem, resultando numa plataforma de valores históricos, arquitetônicos e ecológicos que dão suporte à projeção de janelas de oportunidades a serem exploradas.
  Essas oportunidades poderiam suscitar projetos viabilizantes ao nosso desenvolvimento sociocultural, econômico e ambiental. Caso a administração da nossa cidade compartilhe com esta visão, e tenha vontade política para explorá-la, certamente garantirá o desenvolvimento nos espaços do parque, criativa e necessária dinâmica. Caso contrário, o tão celebrado monumento, Fazenda da Vargem, continuará sendo um mero cartão postal, cenário para alguns dispendiosos eventos que, às vezes, ao passar de semanas, caem no esquecimento. Enquanto isso os insetos xilófagos, que não pedem licença para chegar nem precisam de alvará, lá se encontram em ostensiva labuta.
  É possível mudar a situação do referido Parque Municipal de Nova Era, adotando a inversão de prioridades de metas e consequentemente orçamentárias, assegurando dotações necessárias a sua gestão, conservação de um modo geral, requalificação de toda área, consolidação da estrutura arquitetônica da fazenda, e dotá-la de equipamentos que deem suporte à dinâmica desejada.
  Ações priorizantes em sintonia com previsões orçamentárias condizentes, codificadas para atender as múltiplas e necessárias intervenções e a possíveis projetos a serem implantados e lá desenvolvidos.
  Essas demandas, sendo concretizadas, levarão os novaerenses a interagirem com pertencimento, apropriando-se do bem em foco, realizações que certamente chamarão também a atenção da comunidade regional, provocando um fluxo turístico, modalidade de desenvolvimento sempre aqui cantado em verso e prosa, mas...
Se hoje o sítio histórico e paisagístico em foco vem recebendo uma média de 350 pessoas ao mês, sem contar com uma divulgação adequada, nem mesmo uma simples seta indicando o local, imaginem com uma boa divulgação e sinalização!
Se for mantida a passividade orçamentária e a falta de iniciativa esta administração perde a oportunidade de deixar uma marca expressiva, e o discurso de campanha, cultura e turismo, do atual prefeito, cairá no vazio.
Sendo o orçamento uma peça flexível, basta vontade política, uma dose de ousadia administrativa para que, em nossa cidade, sonhos se transformem em realidade, e certamente o governante detentor desta atitude será elevado ao pódio da memória coletiva.
Mas sem romper com as mesmices administrativas, as janelas de oportunidades que se encontram disponíveis e que às vezes surgem vão acabar se fechando. Cuidado! O tempo não espera por ninguém.

Nova Era, agosto de 2014.

domingo, 3 de maio de 2015

Efigeninha, relato de uma amizade

Entre as montanhas, o recém emancipado distrito de São José da Lagoa (1938) passava por grandes transformações: fabriquetas e estabelecimentos diversos se beneficiavam excepcionalmente de dois ramais ferroviários.
Nesse cenário de perspectiva progressista, precisamente no dia 15 de abril de 1939, nascia a 1ª filha de Sebastião Bento Domingues, em segundas núpcias com Francisca Dias de Almeida. No dia 5 de novembro do mesmo ano, na pia batismal da Matriz de São José da Lagoa, a menina recebeu o nome de Maria Efigênia Dias Domingues. Seus pais, Sebastião Padeiro e Dona Chiquinha, eram um casal que se destacava na sociedade local e estava bem estabelecido na “praça”, dominando o mercado de panificação com modernos maquinários, investimentos que anunciavam prosperidade.
Nos primeiros decênios do século XX, nações se digladiavam, nosso planeta vinha se transformando num gigantesco campo de guerra. Eventos nefastos que expandiam com reflexos em todos os continentes. E o que não se podia imaginar, que tais acontecimentos afetariam a vida de pequenas cidades do interior do Brasil, acabou acontecendo, trazendo angústia, pressão psicológica, medo, injustiça; abalando investimentos com ações monopolizadoras e seletivas na distribuição de certas mercadorias e insumos, como a farinha de trigo, o sal, o açúcar, a querosene, tudo em nome da segurança nacional e da economia de guerra.
Nesse contexto, o senhor Sebastião Padeiro não era mais o mesmo. Os negócios não iam bem, não tinha mais a farinha de trigo suficiente para os pães e outros produtos de seu empreendimento. E assim decidiu vender todo o maquinário da padaria. Abriu um café que, por suas características, marcou época em nossa cidade. Na modéstia foi levando a vida com serenidade e harmonia junto à prole do primeiro e do segundo matrimônio. Nesse ambiente, Maria Efigênia Dias Domingues viveu sua juventude.


Diante de uma folha em branco, tenho-me perdido em divagações e reflexões sobre temporalidades e pergunto-me, afinal, qual o porquê, após o falecimento de Maria Efigênia Dias Domingues, a nossa popular Efigeninha, ocorrido no dia primeiro de janeiro de 2014, de ela ter se tornado pessoa tão lembrada, discutida e homenageada em nossa comunidade e na região?
Ela partiu, mas, de fato, o que ela nos deixou, qual o seu legado?
Sobre ela muitas perguntas e palavras já foram proclamadas e muitas folhas de papel já foram escritas.
Mas, assumindo posição no contexto deste discurso e na trama dos meus dizeres, busco uma síntese. Sobre ela meu testemunho.
Projeto-me na transversalidade do tempo e, neste avivar, situo-me a partir da década de 60 do século XX, período dos meus primeiros contatos com Efigeninha, início de uma duradoura amizade. Contrapondo a sua rígida formação religiosa um aflorar intelectual que já se despontava, comedido, mas dando vista a uma possível abertura, o que de fato se consolidou ao longo de sua vida, buscando sempre interagir com a diversidade, tornando-se um ícone em nossa comunidade. Período em que ela já era ouvinte e participante das utopias que já se cristalizavam em meu discurso, viveu em sintonia com o contemporâneo, em meio a uma sociedade conservadora.
Em nossas causas comunitárias, Efigeninha sempre se fazia presente, fisicamente ou tomando partido, esclarecendo, justificando a importância das mesmas. Lutas de resistência cultural, entre outras, a favor dos nossos bens culturais, materiais e imateriais, a necessidade do nosso desenvolvimento cultural, a criação do museu, a restauração e conservação da Matriz de São José da Lagoa; pelo resgate da festa do nosso padroeiro São José da Lagoa, das celebrações do Reinado, quando se ouviam seus inesquecíveis “vivas” a São José e a Nossa Senhora do Rosário.
Rotineiramente, com grande disposição, Efigeninha vivia em trânsito, interagindo regionalmente, indo e vindo, muitas vezes para outros estados para levar e buscar conhecimento. Incrivelmente, sempre estava lá, em algum lugar, de repente ela surgia aqui para cumprir os seus compromissos, às vezes com um certo atraso, mas com muita alegria. Parecia que ela tinha a capacidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo.
Na década de 80 do século XX, estávamos integrados às ações em favor da nossa bicentenária Irmandade do Rosário. Lado a lado com a Rainha Conga D. Maria Francisca dos Santos (já falecida) quando se deu a nossa introdução ao universo devocional, místico e mítico da irmandade, às vezes hermético, contextos que vem desaparecendo pela banalização das nossas tradições. Esta foi uma das causas que Efigeninha abraçou por toda a sua vida. Em 1990, com muito garbo e felicidade, ela e o então jovem entusiasta Eugênio Pereira Costa foram incorporados às celebrações do Reinado de Nossa Senhora do Rosário como Reis Festeiros.
A trajetória comunitária de Maria Efigênia Dias Domingues foi coroada pela intensidade participativa avivada pelo dom de escutar o outro e compartilhar. Nas comunidades periféricas e rurais, ela também esteve presente com a sua palavra amiga, incentivadora, evangelizando, respeitando contextos identitários, congregando-se em seus momentos de religiosidade tradicional, ao levantar de mastros com suas bandeiras devocionais, nos fascínios de fogos de artifício, ao calor de fogueiras, ao som das sanfonas e das batidas dos tambores.
Lembro-me de quando a encíclica ‘’Gaudium et Spes’’ ( Parte 2, Cap. 2 ), do Concílio Vaticano 2°, chamou a nossa atenção, pois algumas de suas recomendações vinham ao encontro de nossas posições, atentava para o que ocorre ainda hoje. ‘’ Fazer para que os intercâmbios culturais mais frequentes, que deveriam levar os diferentes grupos a um diálogo verdadeiro e frutuoso, não perturbem a vida das comunidades, não destruam sabedoria dos antepassados nem coloquem em perigo a índole própria de cada povo’’. Infelizmente esta doutrina nem sempre é observada.
A minha convivência com Efigeninha foi marcada por oportunos diálogos, exercícios de reflexão e discernimento. Questões sobre política, religiões, religiosidade popular e sobre o sagrado se tornaram um capítulo à parte em nossas conversas. Foi uma constante troca liberadora de conhecimento, um levando ao outro recortes de jornais, revistas, repassando informações e notícias advindas das mídias, de cursos, congressos, etc.
Através de estudos e dedicação, consequentemente Efigeninha foi se tornando senhora do universo no qual se encontrava inserida, daí a maturidade, uma visão antropológica da cultura que se deu em construção contínua, sem abalar as suas convicções religiosas, suporte para o intercâmbio intercultural, daí a ampla visão liberadora e a diplomacia diante de outras denominações religiosas e crenças. Saliento sua grandeza em reconhecer religiões de matrizes africanas.
Neste breve testemunho referente a Maria Efigênia Dias Domingues, esclareço ainda que ela não se intimidava frente a provocações originadas de pessoas desinformadas, defendia veementemente as suas convicções, ao contrário do que muitas pessoas pensam, ela não oferecia a outra face para receber tapas, chegava aos limites do conflito, se fazia respeitar. Mas muitas vezes diante da pequeneza humana, ela se elevava, se deixava ser sucumbida pela sublimação, a misericórdia e ao perdão, simplesmente se desvencilhava com altivez.

Mesmo que os impasses da vida a levassem a lágrimas, que ela guardava para seus momentos de solidão, o que é natural na vida de qualquer ser humano, a generosidade não lhe faltava.
Quando necessário Efigeninha administrava divergências, ela sublimou fatos na trajetória da própria família, historia pessoal, e assim alçou à história coletiva, tornou-se protagonista de memórias.
Algumas pessoas já me perguntaram, repito, qual o legado que ela nos deixou?
Para quem se dispõe a refletir, sentir e se emocionar certamente encontrará esta resposta, pois como diz o ditado popular “para quem sabe ler um pingo é letra’’. Portanto, basta reconhecê-la como sempre ela reconhecia o outro, em constante acolhida, homens, mulheres, crianças, jovens, idosos, negros, brancos, pobres e ricos, de qualquer raça, classe social e gênero.
E nesse exercício de memória, lembrar de seus conhecimentos de mestra, de sua alegria contagiante, da sua altivez, humildade, generosidade e dos seus gestos de humanismo. E assim cada um de nós recontará um capítulo da trajetória de Maria Efigênia Dias Domingues na vida da nossa comunidade.

Às vezes, de madrugada, abro a janela do meu quarto, fixo olhares e sentidos em direção à praça da Matriz e, na plenitude do silêncio, ouço ecoar “vivas, vivas” a São José, como se fosse ontem...

Elvécio Eustáquio da Silva 

Tempo e Geografia

Entre presente e passado reconhecer a produção sócio-histórica do universo no qual encontro-me inserido, que suscita experienciarmos a diversidade de possibilidades interpretativas.