domingo, 5 de junho de 2016

4 poemas de Elvécio (2009)

                     Colóquio de Lembranças

            Materializar lembranças
         —a cozinha...
         Vidas apertadas,
         Sentimento etéreo.
         Corações aquecidos.

         No arder das toras,
         Labaredas bailavam.
         Sombras coadjuvantes
         Na parede caiada
         Contracenavam com rendilhados picumãs
         No ripado do telhado.

         Braseiro carbonizando sonhos,
         A água fervendo borbulhava esperança.
         O Café passado, sinto o aroma
         Como se fosse agora.

         Café torrado e moído em casa
          No antigo moinho de ferro,
         Férreas lembranças da professora Elisa Starling;
         Café passado na cafeteira,
         Obra do latoeiro Zé Soares.

         O passado presente em sentidos,
         Degustado, olfatado.
         Café solenizado, ritual corriqueiro.
         À mesa, bule e canecos esmaltados,
         Esmalte azul infinito,
         Pouso dos meus sonhos.
        



                   Postular por Memória

         Exumar
         Positivações primeiras,
         Ungir este esforço.
         Arautos em transe
         Aclarando os sentidos
         Permeado de asfixia.

         Postular por memória,
         Avivar incômodos
         E felizes lembranças
         Do vivenciar
         Em outeiros ascendentes.

         Afiar o olhar!
         Codificar temporalidades,
         Banalidades cotidianas.
         Adentrar o labirinto,
         Apropriar-se do tesouro
         Segredado na infância.
         Virtuosa fantasia,
         Atemporal sentido,
         Carretéis, botões,
         Bolinhas de gude,
         Medalhinhas, alguns tostões.
         Soldadinhos de chumbo
         Que nunca foram possíveis.
         E outros sonhos.
         Epitáfios, epístolas que
         nunca foram escritas.
         Transladar inventário,
         Inventariantes e inventariados
         Anunciar a partilha
         Circunstanciando epifanias.
        
                   Atavismo

         O fogo-fátuo arde,
         Consome o que resta,
         Sentinelas orgânicas.

         O terror sagrado espreita.
         A magia do tempo permanece.
         Revelações possíveis na alquimia da história?

         Do branco,
         Onde tudo era,
         É possível de ser e ainda é?

         Memória testamentária,
         Exposta em um inimaginável encontro,
         Permanece indecifrável.
         A caravana passa,
         Perfídia entre mercadores de história.
         Nada averbado, confraria volatizada.
         Volatizadas as minhas rotas vestes fidalgas.
         Nudez exposta, o pudor me cobre?
         Me perco neste atavismo.

         Despojado de alfaias,
         Sem travesseiro de macela
         Onde repousar a memória.

         O tempo passa...
         Passa
         Entre nuvens, perdido a contar carneiros.
         O sagrado fogo-fátuo arde,
         Combustão exorcizante.
         Fogo avoengo, me unge e revivo.




                   Mesa Posta

         É servido o café,
         Quitandas...
         A mesa posta,
         Rostos graves,
         Gravidade nos sentidos,
         Palavras murmurantes.
         Ranger de porta, silêncio...
         As comadres trocam receitas.
         A gata preta busca
         O aconchego de um colo.
         O cachorro Bala
         Fareja fazendo festa,
         Atravessa em disparada a sala.
         Tímidos sorrisos escapam,
         No fogão só restam cinzas,
         Mas o aroma do café permanece.


         

Um comentário:

  1. Poesias fantásticas, prazerosa a leitura e nos remete a vários sentimentos. Parabéns Adorei!

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